sábado, 21 de janeiro de 2012

Crônica do fim


Juntar as coisas. Cada livro, cada CD, cada DVD. As camisas, calças, as roupas do momento de lazer. As coisas que precisavam de conserto e nunca foram consertadas. As pastas com poeira. Que segredos elas guardaram durante o tempo de convivencia, em que nunca as toquei por respeito? Uma ultima checagem na casa. Caixas que vieram com a mudança e ainda não arrumadas.  Ter certeza de  que tudo foi devidamente empacotado para que nada ficasse para trás e motivasse uma nova visita. Tudo para não ter que tratar alguém que foi tão intimo como um estranho. O tratamento cordial. A vontade de dizer coisas que machucassem. Ao mesmo tempo, a vontade de pedir que ficasse. O esforço  para manter o tom de voz amigável. O rosto sem emoções aparentes. A promessa de um contato futuro. Sempre fica algo para trás. Há sempre coisas que precisam ser devolvidas. Há sempre coisas que ficam sem ser ditas. Mas também há o cansaço do esforço de buscar formas de fazer as coisas acontecerem. De manter o viço do sonho, de manter o calor das promessas. O esforço de não se deixar abater com as desilusões seguidas, sequenciais, num crescendo exponencial... O esgotamento. A descoberta de que não existe mais energia para fazer com que as coisas aconteçam como se queria. A ultima gota  de vontade de ficar escorrendo pelo ralo... Indo embora. O espaço vazio. A brisa. O silêncio. É certo que um dia este dia será lembrado, como muitos outros, sem fazer o coração doer.
Brasília, 19-01-2012

7 comentários:

  1. Muito bom. Você reflete com lirismo, ao mesmo tempo com realismo, um momento que é dos mais dolorosos na vida: a separação. Parabéns pelo texto objetivo e curto. Que inveja!!! Muito bacana.

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    1. Obrigada, Joaquim! Uma honra receber elogio seu, que tem um blog maravilhoso e escreve muito bem!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Na ansiedade de resolver o que nao tem solução, vomitamos uma imensidão de sentimentos que doem como socos no estômago.O corpo grita. O corpo chora. A dor é física.
    Dor física?
    Me perguntou uma amiga.
    _ Sim, dor física, respondo eu. De dar nó no estômago, de doer a pele que não vai ser mais tocada pelas mãos que eu adorava. De doer os olhos pela ardência na falta de lágrimas...dor que dilacera... dor que apavora...dor que ignora o que os amigos insistem em dizer.
    _ Calma!!A dor passa e você vai ver como vai rir disso tudo depois.
    Engano. Não ha graça e nem ironia....só ameaça, só desgraça.
    Nem vem me falar que a dor passa....ela nunca passa, se ele nao voltar, se ele não me abraçar.

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    1. Uau...que pancada! A dor do fim não obedece ao tempo. Lindo. Adorei! Bjs Dri!

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  4. Adorei, Bia! Muito lindo. E para o comentário acima, complemento dizendo que o coração dói sim. Já senti ele partindo ao meio..... Mas consegui rir depois, rs. Beijos!!!

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  5. A graça da vida é a gente saber que tudo isso vai passar! Beijos, Val e parabéns pelo prêmio da Microcamp!!!

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